Copa-94: A derrota para o Brasil que consagrou uma geração nos EUA
Marcos Peres
Marcelo Balboa está no Hall da Fama do futebol nos Estados Unidos. Não por ter sido campeão mundial, mas, entre outras coisas, por quase ter ganho do Brasil quando o futebol profissional não existia nos Estados Unidos, na Copa do Mundo de 1994. “Jogar contra o Brasil no dia 4 de julho (feriado da independência dos EUA) foi absolutamente fantástico”, lembrou Balboa. “Foi um sonho realizado jogar contra o melhor time do mundo e quase, quase operar um milagre!''
Para não fazer feio na Copa do Mundo que iria sediar, a federação dos Estados Unidos contratou 22 jogadores e montou um time para chamar de seleção. Os atletas passaram um ano juntos na Califórnia. O treinador era o experiente sérvio Bora Milutinovic, que já havia dirigido as seleções do México (1986) e da Costa Rica (1990) em Copas do Mundo. Mas os jogadores eram semiprofissionais. “Nós não tínhamos uma liga profissional nos EUA. As portas não estavam abertas para jogadores americanos no exterior, seja na Europa ou na América do Sul'', lembrou Balboa. ''Havia pouquíssimos americanos jogando no exterior. Então, a federação americana chegou à conclusão de que teria que promover uma situação para nos proporcionar a oportunidade de treinar todos os dias, como se fosse um clube.”
O entrosamento e a obediência tática dos americanos, adquiridos com essa experiência, ameaçaram verdadeiramente a seleção brasileira nas oitavas de final da Copa de 94. O então lateral Leonardo foi expulso ainda no primeiro tempo do jogo, depois de uma cotovelada violenta no principal jogador dos EUA, o meia Tab Ramos. Os zagueiros Marcelo Balboa e Alexi Lalas se destacaram e ajudaram a seleção americana a evitar um gol brasileiro até os 28 minutos do segundo tempo, quando o atacante Bebeto marcou. Mas a partida contra os EUA foi uma das mais duras da Copa para o time de Carlos Alberto Parreira.
Apesar da derrota para o Brasil, aquela geração americana já estava consagrada. Chegar às oitavas já era um grande feito. Principalmente depois da vitória totalmente inesperada por 2 a 1 sobre a forte seleção da Colômbia, do talentoso cabeludo Valderrama, de Freddy Rincón e Faustino Asprilla. “Nós celebramos aquele dia como se tivéssemos ganho a Copa do Mundo”, lembrou Marcelo Balboa. “Se você assistir ao jogo, você verá os jogadores correndo com bandeiras americanas e curtindo o momento no qual chocamos a todos, até a nós mesmos”, afirmou o ex-zagueiro que viria a ganhar o apelido de Iron Man – Homem de Ferro, em língua portuguesa.
De fato, aquela campanha mudou as vidas de muitos daqueles jogadores americanos. “Abriu as portas para muitos de nós”, afirmou Balboa. “Alexi (Lalas) foi para a Itália. Eu fui para o México, Mike Sorber e Tab Ramos foram para o México jogar. Abriu muitas portas para nossos jogadores no exterior. E ajudou muitos a se tornarem jogadores profissionais.”
Marcelo Balboa se divertiu ao contar que grande parte dos torcedores ainda o confundem com seu companheiro de zaga, Alexi Lalas. Embora fossem figuras marcantes em 1994, são completamente diferentes fisicamente. “Algumas pessoas me chamam de Lalas, o que é engraçado. Como esquecer Alexi? Cabelos ruivos longos, enorme cavanhaque, grande personalidade. Nove de dez torcedores me perguntam sobre ele”, contou Balboa, que mantém os longos cabelos pretos aos 46 anos de idade. Lalas se livrou da imagem do “roqueiro rebelde” de antes. “Meu cabelo está um pouco mais curto do que naquela época, mas continua bem comprido”, disse Balboa. “Meu pai me ensinou a seguinte filosofia: Se está crescendo, mantenha, porque um dia não vai crescer mais”, disse às gargalhadas.
Filho de argentinos, Marcelo Balboa vai ao Brasil como comentarista do canal Univisión, rede de televisão em língua espanhola, destinado à comunidade hispana que vive nos Estados Unidos. “Penso que será muito difícil, mas os EUA podem passar da fase de grupos”, analisou Balboa, com otimismo. “Mesmo com Portugal, de Cristiano Ronaldo, Alemanha, com tantos bons jogadores e Gana, com sua técnica e velocidade. E, se conseguirem sair daquele grupo, penso que (os EUA) tenham pego uma chave favorável. Não é como o Brasil, que terá que jogar contra a Espanha, Holanda ou Chile na próxima fase.”
Balboa vive no frio estado americano do Colorado há oito anos, desde que se tornou um dos fundadores da Major League Soccer, em 1996, ao assinar contrato com o Colorado Rapids. A criação da liga profissional é um legado da Copa de 1994. Nasceu por exigência da FIFA.
O ex-zagueiro hoje ensina futebol para crianças. O time, chamado Trebol, tem 700 jovens de 9 a 18 anos. Está à procura de um garoto que possa dar ao futebol dos Estados Unidos a única coisa que falta, segundo Balboa: “Estamos revelando bons jogadores, mas continuamos a sentir falta daquele “camisa 10”, daquele jogador especial, um Messi, um Cristiano Ronaldo, um Zidane. Não temos um jogador que tenha um grande impacto na Europa.”
“Se você observar o quão popular o futebol tem se tornado nos Estados Unidos, você verá que o potencial aqui é altíssimo, afirmou Balboa. Somos 300 milhões de pessoas e o futebol não pára de crescer. O problema é que nós temos tido dificuldades em formar aquele “camisa 10”. Veja o Uruguai, por exemplo. Há 3 milhões de pessoas no Uruguai e eles formaram Forlán, Suárez, uma extensa lista de bons jogadores na história. Nós continuamos sentindo falta de um “camisa 10”. Se tivermos essa sorte…”