Crianças de 5 anos lutam MMA em octógonos nos EUA
Marcos Peres
As competições acontecem em octógonos inspirados no UFC. Socos, chutes e joelhadas são permitidos, contanto que não atinjam a cabeça do adversário. Os lutadores não usam protetores de cabeça. E os derrotados muitas vezes choram e procuram por suas mães ao final das lutas. O pankration é uma espécie de MMA adaptado para crianças, que têm a partir de cinco anos de idade.
“A primeira vez que assisti, diria que foi muito impressionante! Na verdade, a primeira vez que vi foi logo um All Star Show (campeonato das estrelas), realizado no Arizona, em um cassino, um ambiente muito parecido com o do UFC. Todo aquele espetáculo, o show, mas era para crianças. E como havia essa produção, os pais estavam muito motivados”, contou ao Blog do Marcos Peres o fotógrafo documentarista Sebastián Montalvo, que viajou pela costa oeste dos Estados Unidos capturando imagens que geraram polêmica na sociedade americana.
Segundo Jon Frank, executivo da United States Fight League – Liga de Luta dos Estados Unidos -, organização que conta hoje com mais trezentas crianças inscritas, as críticas ao pankration infantil são motivadas por um estereótipo. “Quando o público em geral ou mesmo a comunidade do MMA veem uma criança vestida como um lutador de MMA dentro de uma jaula, eles supõem que as crianças estão lutando Artes Marciais Mistas com contato total”, explicou Frank, reclamando da falta de oportunidades de explicar as precauções e diferenças nas regras aplicadas para crianças. “Se as crianças estivessem vestidas em quimonos de karatê e competindo sem grades, ninguém se importaria”, acredita o dirigente da USFL. “O sistema de pontuação do MMA é baseado em infligir danos ao adversário, enquanto o pankration da USFL usa pontuação baseada na técnica. Com nosso sistema aberto de pontuação, podemos efetivamente tocar lutas que proíbem o castigo e a brutalidade”, defendeu-se o organizador.
Um levantamento da rede de televisão ESPN estimou em cerca de 3,2 milhões o número de crianças praticantes de artes marciais mistas hoje nas academias dos Estados Unidos, principalmente na costa oeste do país. Porém, o pankration tem sido combatido por grande parte da sociedade americana e ignorado pela própria comunidade do MMA. “O que percebo dos profissionais é uma opinião contrária, a princípio. É desnecessário. (A criança) não precisa estar nesse nível já. Pode esperar um pouco mais”, afirmou o brasileiro Everton Bittar Oliveira, um dos treinadores e preparador físico da American Top Team, uma das equipes mais respeitadas no mundo do UFC, que conta com lutadores como Antônio Pezão e o atual desafiante pelo título dos meio-pesados, Glover Teixeira.
“Muitas vezes, o que a gente percebe é a questão do pai ter o sonho de ver o filho campeão de alguma forma. E aí acaba direcionando isso”, disse Oliveira, constatando o grande número de pais à procura de academias que ensinem MMA para crianças. Porém, a academia onde o brasileiro ministra aulas na região de Miami oferece apenas jiu-jitsu infantil. “Para crianças de quatro a sete anos, de uma maneira lúdica, sem uma cobrança excessiva com relação à perfeição, a gente vai inserindo as técnicas básicas do jiu-jitsu e do judô,” contou o treinador.
Depois de acompanhar “seis ou sete torneios” para crianças, o fotografo Sebastián Montalvo diz ter presenciado “uma ou duas intervenções dos médicos”.
Mãe de três meninos praticantes de MMA, de sete, nove e dez anos de idade, no estado da Califórnia, a americana Megan Hook relatou acreditar que o pankration ofereça muito mais benefícios do que riscos para as crianças. “A arte da disciplina e respeito são as primeiras e mais importantes, sem falar dos reais benefícios para a saúde de treinar um esporte várias vezes por semana”, disse ela ao Blog. “Meus filhos experimentaram muitos outros esportes (futebol, beisebol, basquete, hóquei no gelo, para citar apenas alguns). Mas o pankration e o MMA são o que realmente amam. Eu amo que o pankration ensine meus filhos não apenas a vencer com orgulho, mas também a perder graciosamente”, acrescentou Megan, que já tem dois faixas pretas e um faixa marrom em casa.
A United States Fight League levanta a guarda para se defender das críticas, afirmando que “as regras (do pankration infantil) proíbem muitas das técnicas excessivamente perigosas do MMA, como socos na cabeça, torção de joelho e finalizações de coluna”, disse ao Blog Jon Frank. “Também exigimos que as finalizações por submissão sejam executadas com pressão moderada e não travadas”, explicou.
“Se meus filhos quiserem fazer carreira no MMA, eu com certeza os apoiaria, assim como os apoiaria a se tornarem programadores, chefes de cozinha ou professores. O que digo a eles todos os dias é “Prometam pra mim que vão arrumar algo que amam para fazer, para que não pareça trabalho”, disse Megan Hook, cujos três filhos começaram a treinar há cinco anos, quando o mais novo tinha apenas dois anos de idade.
No próximo capítulo da reportagem, a opinião dos médicos americanos, a proibição temporária do pankration no estado da Califórnia e o surgimento de uma nova geração de lutadores infantis também na Rússia.