Bom Senso FC: Nos EUA, greve já causou substituição de todos os jogadores.
Marcos Peres
22 de setembro de 1987. Os jogadores da liga profissional de futebol americano entram em greve nos Estados Unidos. Querem o aumento do piso salarial da categoria, o direito de negociar o próprio passe e melhorias nas condições de trabalho.
O campeonato é paralisado por duas semanas. Mas, surpreendentemente, as estrelas do futebol americano são substituídas por jogadores de segundo escalão e a competição recomeça. São ex-jogadores da United States Football League, que havia encerrado as atividades dois anos antes, atletas universitários e até alguns desertores do movimento grevista, como Mark Gastineau, que disse sentir mais lealdade ao proprietário dos Jets, Leon Hess, do que à Associação dos Jogadores.
Na primeira semana, os índices de audiência na televisão caem apenas 20%, surpreendendo a todos. Muitos telespectadores estavam curiosos. Mas o interesse diminuiu rapidamente, assim como a audiência. “Aquela greve me tornou o inimigo número um de Cincinnati”, afirmou Boomer Esiason, ex-estrela dos Bengals. “Os fãs odiavam um cara que ganhava US$ 1.2 milhão (quase 18 milhões de cruzados) por ano e entrava em greve.
Todos os times devolveram o dinheiro dos ingressos para os fãs que compraram, mas não compareceram aos estádios durante a greve dos jogadores. Apesar da queda de audiência, os proprietários dos times economizaram dinheiro pagando muito menos para os jogadores substitutos do que previam os contratos dos titulares. Assim, os ganhos dos donos das equipes cresceram. De US$ 800 mil por jogo para US$ 921 mil durante a greve. Esses ganhos, porém, foram temporários, porque a Liga teve que devolver às emissoras de TV US$ 60 milhões (mais de 895 milhões de cruzados) ao longo das duas temporadas posteriores, devido a uma semana de paralisação no campeonato e à queda de audiência.
Sentindo que os donos dos times estavam muito mais bem preparados para lidar com a greve do que eles próprios, os grevistas, os jogadores profissionais decidem voltar ao trabalho depois de 24 dias, mesmo sem nenhuma reivindicação aceita. Os atletas em greve perderam aproximadamente US$ 80 milhões ( 1.2 bilhão de cruzados) , segundo o Departamento do Trabalho dos Estados Unidos.
Fundado há poucas semanas no Brasil, o Bom Senso F.C. já conquistou seu primeiro objetivo. Vai estrear diretamente na primeira divisão, cercado pelos cachorros grandes do futebol brasileiro, o Donos da Grana F.C. e o Tira a Mão do Meu Bolso F.C. E o Bom Senso F.C., grupo formado por alguns dos principais jogadores de futebol do Brasil para dar voz às reivindicações dos atletas, sabe que esse não será um campeonato de pontos corridos, mas de cartas marcadas. Aliás, o jogo nem é o futebol. É o jogo de interesses. Os titulares do Bom Senso terão que manter a vocação ofensiva se quiserem passar da primeira rodada, a reunião com o presidente da Confederação Brasileira de Futebol, José Maria Marin. Eles só foram ouvidos a partir do momento em que falaram em greve, na possibilidade de paralisação do Campeonato Brasileiro de Futebol em suas últimas e decisivas duas rodadas. O impacto econômico de uma paralisação de 20 jogos no momento decisivo da competição ainda não foi estimado, mas não seria sentido apenas pela CBF. Pode ser suficiente para abalar a temporada de muitos clubes endividados. A repercussão global também seria grande, às vésperas da Copa do Mundo no Brasil.
Nos Estados Unidos, as greves de jogadores fazem parte da história das principais ligas profissionais, como a NFL (futebol americano), a MLB (beisebol), a NHL (hóquei) e a NBA (basquete). E só se resolvem quando as contas dos prejuízos, feitas aos milhões ou mesmo bilhões de dólares, se tornam insustentáveis para uma das partes, senão para ambas.
Em 1994, os jogadores da liga de beisebol, MLB, estenderam uma greve por 232 dias, por não concordarem com o teto salarial da liga. 938 jogos foram cancelados, incluindo as finais. A liga estimou em US$ 580 milhões (R$ 489 milhões, em valores da época) as perdas dos donos dos times e em US$ 230 milhões (R$ 194 milhões) os danos aos salários dos jogadores. No ano seguinte, a presença de público nos estádios caiu 20%.
A legislação americana prevê que os empregadores, no caso os times, também podem paralisar temporadas quando não chegam a um acordo trabalhista coletivo com os jogadores. Essa ação se chama locaute (do inglês lock out, trancar para fora). Os donos das equipes “trancam as empresas” e os empregados, obviamente, ficam sem receber salários.
Na temporada 2004 – 2005, pela primeira vez uma liga profissional americana perdeu uma temporada inteira por causa de disputas trabalhistas. O locaute da liga nacional de hóquei sobre o gelo, a NHL. Os jogadores não concordaram com o limite de gastos com salários por time sugerido pela liga. Com o cancelamento da temporada, os times perderam cerca de US$ 2 bilhões (R$ 5,3 bilhões, em números da época) em arrecadação na venda de entradas, mídia, patrocínio e concessões. Enquanto os jogadores perderam mais de US$ 1 bilhão (R$ 2,7 bilhões) em salários, segundo estudo do Bureau de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos.
Das indústrias esportivas bilionárias dos Estados Unidos, o Bom Senso F.C. pode tirar uma lição: Os problemas do calendário do futebol brasileiro são apenas o início de uma discussão sem fim entre quem paga e quem corre. Se é que o gigante, o Brasil, realmente acordou do sonho do país do futebol.