Blog do Marcos Peres

Maracanaço não foi a maior surpresa da Copa de 50

Marcos Peres

Joe Gaetjens, dos EUA, é carregado pela torcida brasileira em Belo Horizonte

Joe Gaetjens, dos EUA, é carregado pela torcida brasileira em Belo Horizonte

Uma grande surpresa aconteceu na primeira fase da Copa do Mundo de 1950. Uma zebra tão inacreditável, que alguns jornais internacionais da época inverteram o resultado do jogo. Não se chamou Maracanaço, porque não ocorreu no estádio do Maracanã, mas no Estádio Independência, em Belo Horizonte. O time mais temido pela seleção brasileira antes da Copa começar não era o Uruguai, mas a Inglaterra. Porém, os inventores do futebol não passaram da primeira fase do mundial. E os grandes responsáveis pela eliminação dos ingleses foram os jogadores amadores da seleção dos Estados Unidos, reunidos poucos dias antes da viagem para o Brasil.

No dia 29 de junho de 1950, 13 mil brasileiros superlotaram o Estádio Independência para pressionar a Inglaterra. E testemunharam o inacreditável. “A Inglaterra e o Brasil eram os favoritos para chegar à final da Copa. Se nós batêssemos a Inglaterra, eles estariam praticamente fora da competição. Então, os torcedores brasileiros estavam conosco, especialmente depois que marcamos o gol”, contou Walter Bahr, meia da seleção dos Estados Unidos na Copa de 1950. Ao final do jogo, com a vitória dos EUA por 1 a 0, a torcida brasileira “correu para o gramado e levantou Joe (Gaetjens, autor do gol) nos ombros e desfilou com ele ao redor do campo”, lembrou Bahr.

Joe Gaetjens assina a bola do gol sobre a Inglaterra

Joe Gaetjens assina a bola do gol sobre a Inglaterra

Nascido no Haiti, Joe Gaetjens mudou-se para Nova York para estudar na Columbia University e passou a trabalhar em um restaurante como lavador de pratos. Ao declarar vontade de se naturalizar americano, Gaetjens foi autorizado pela FIFA a disputar a Copa pelos Estados Unidos. Porém, nunca viria a se tornar cidadão dos EUA. Em vez disso, desapareceu no Haiti em 1963, presume-se, assassinado porque sua família se opôs ao regime do ditador Francois Duvalier.

O gol surpreendente de Joe Gaetjens sobre a Inglaterra nasceu de um chute de Walter Bahr de fora da área. Aos 87 anos de idade, Bahr descreveu o lance que mudou a história da primeira Copa do Mundo realizada no Brasil: “Eu chutei a 25 jardas (cerca de 23 metros) do gol. As fotos mostram o goleiro Williams se movendo para a direita, mas ele foi pego de surpresa por um desvio feito por Joe (Gaetjens). De alguma forma, Gaetjens resvalou na bola apenas o suficiente para desviar a trajetória. O goleiro estava indo para um lado e a bola entrou no outro.” O gol saiu aos 37 minutos do primeiro tempo.

O momento do gol histórico dos EUA

O momento do gol histórico dos EUA

A Inglaterra ainda reconstruía a grande destruição provocada na Segunda Guerra Mundial, encerrada em 1945. O futebol era uma das poucas alegrias da Grã-Bretanha em 1950. Enquanto que nos Estados Unidos, não passava de um esporte praticado por “alguns grupos étnicos”, segundo Walter Bahrs. “Muita gente não sabia o que era a Copa do Mundo (nos EUA), com exceção a alguns grupos étnicos”, relatou. Professor de educação física, Bahr teve que largar o emprego para jogar a Copa do Mundo. “Em 1950, quando tivemos a seletiva final para o time, em Saint Louis, eu precisava tirar alguns dias de folga para viajar. E eles disseram que não me liberariam sem contar os dias como faltas. A diretoria da escola me disse: – Você pode viajar para Saint Louis, mas o seu emprego não estará aqui quando você voltar”, contou Bahr, que disse não se arrepender.

Enquanto o atacante Clint Dempsey, jogador americano mais bem pago da atualidade, recebe $6,7 milhões de dólares (R$15 milhões) por temporada, Walter Bahr ganhava $15 dólares por jogo em 1950, “apenas para cobrir as despesas”, contou. Segundo Bahr, a organização da primeira Copa realizada no Brasil foi impecável. “A organização foi muito boa. Tudo de primeira. Campo de treino, estádios, acomodações. A federação brasileira organizou tudo da melhor forma possível. Não há nada negativo pra se dizer.”

Menos de três semanas depois de fazer a alegria dos brasileiros, ajudando a tirar a Inglaterra do caminho da seleção, os jogadores americanos receberam a notícia de que o Brasil havia sido derrotado na final da Copa pelo Uruguai em pleno Estádio do Maracanã, por 2 a 1. Porém, o “Maracanaço” não surpreendeu Walter Bahr. “Nós sabíamos que os times que estavam lá (na Copa) eram melhores do que se pensava. Uruguai e Chile tinham bons times. Inglaterra tinha um grande time. Todos esses eram times favoritos para chegar entre os quatro melhores. Aquilo abriu os olhos das pessoas, mas para os jogadores que estavam lá não foi uma surpresa”, disse Bahr.

“Haverá muitas zebras na próxima Copa do Mundo também”, previu Walter Bahr. “Penso que o time brasileiro e os principais times da América do Sul e da Europa estão sujeitos a isso. Haverá grandes jogos, com certeza.”

EUA na Copa de 1950. Walter Bahr é o primeiro jogador em pé, da esquerda para a direita

EUA na Copa de 1950. Walter Bahr é o primeiro jogador em pé, da esquerda para a direita

Aquela vitória heróica dos Estados Unidos sobre a Inglaterra nada repercutiu em território norte-americano nos anos 1950. “Das reportagens enviadas do Brasil contando o nosso jogo contra a Inglaterra, algumas diziam que a Inglaterra havia vencido por 10 a 1. Muitos jornais não deram coisa alguma. Houve muito pouca cobertura depois daquilo. A única pessoa que me encontrou no aeroporto foi a minha esposa”, contou Walter Bahr. O casal, que vive na cidade de Filadélfia, teve quatro filhos. “Mas sou o único que jogou futebol na família. E foi por causa da vizinhança onde cresci”, relatou o professor aposentado.

Porém, à medida em que o futebol se populariza nos EUA, mais e mais pessoas descobrem o feito de Bahr, Gaetjens, Frank Borghi, um jogador profissional de beisebol que decidiu ser goleiro de Copa do Mundo. “Durante 25 anos, dei duas ou três entrevistas no máximo”, contou Bahr, um dos dois titulares dos EUA que continuam vivos. “À medida em que a Copa do Mundo ganha importância e passa a atrair mais dinheiro, popularidade e publicidade, hoje, a cada Copa do Mundo, dou mais entrevistas do que na Copa anterior”, afirmou Bahr, que entrou para o Hall da Fama do futebol dos EUA em 1976 por uma vitória histórica na primeira Copa do Mundo disputada no Brasil.