20 anos depois, cotovelada de Leonardo na Copa ainda dói, diz Tab Ramos
Marcos Peres
No dia 4 de julho de 1994, o cotovelo direito de Leonardo causou lesões no crânio e no maxilar de Tab Ramos. O impacto não foi apenas físico, mas também profissional. Um dos principais jogadores da então semi-profissional seleção dos Estados Unidos, Ramos perdeu o emprego no Betis, da Espanha. E, 20 anos mais tarde, ainda sente dores de cabeça no local do impacto.
“Eu sou fã do Renzo Gracie (ex-lutador brasileiro de MMA, dono da maior rede de academias de jiu-jitsu dos Estados Unidos)”, contou Ramos. “É uma loucura para mim como esses caras (lutadores de MMA) podem tomar tantas pancadas na cabeça. Você fica pensando quão longa será a vida deles e os efeitos que isso poderá causar dez anos mais tarde. Porque eu sei o que sinto. Eu não posso reclamar, porque funciono normalmente. Não tenho nenhum problema mais sério. Mas, às vezes, em certos dias, sinto dores de cabeça bem naquela região na qual tomei a pancada e me sinto enjoado às vezes em função disso.”
Estados Unidos e Brasil jogavam pelas oitavas de final da Copa do Mundo de 1994. Tab Ramos puxou a camisa de Leonardo. De costas, o lateral brasileiro respondeu com uma cotovelada violenta, que atingiu a cabeça de Tab. O americano caiu imediatamente no gramado do estádio da Universidade de Stanford, na Califórina. E, de lá, foi diretamente para o hospital.
Leonardo foi expulso ainda no primeiro tempo do jogo. Mesmo assim, o Brasil conquistou a vitória com um gol de Bebeto aos 28 minutos do segundo tempo. O diagnóstico de Tab Ramos ameaçava sua carreira no futebol. Por isso, Leonardo foi excluído da Copa de 94 pela FIFA. Apesar de, aos 47 anos de idade, ainda sentir os efeitos físicos do golpe, Ramos contou que muito maior foi o impacto profissional que aquela pancada gerou.
“Teve um impacto muito grande, porque naquele momento, eu estava jogando pelo Betis, na Espanha. Leonardo jogava pelo Valencia”, lembrou Ramos. “Meu time tinha acabado de subir da segunda para a primeira divisão. Eu estava ansioso por jogar a La Liga pela primeira vez. Porém, depois da contusão, precisei ficar fora do futebol por cinco meses. Outro jogador foi contratado pelo Betis, pegou meu trabalho e eu tive que deixar o clube. Teve um impacto muito grande na minha carreira, porque eu acabei tendo que ser vendido para o México, para o Tigres, do México. Nunca mais joguei na Espanha.”
Tab Ramos era um dos poucos jogadores americanos que atuavam fora do país. Em 1993, a federação dos EUA contratou quase todos os jogadores da seleção para dedicarem-se integralmente à preparação do time para a Copa de 94 durante um ano e meio, no estado da Califórnia. “Ajudou muito, porque depois de um ano e meio atuando juntos, os jogadores puderam se acostumar ao novo sistema de jogo, conheceram (o treinador sérvio) Bora Milutinovic muito bem e, quando os poucos jogadores que atuavam na Europa se juntaram à equipe, encontramos um time que jogava muito bem junto. Foi fácil para nós nos encaixarmos”, lembrou Ramos.
Atual assistente técnico do treinador alemão Jürgen Klinsmann na seleção americana, Tab Ramos estará em breve no Brasil. Apesar do incidente, ele disse não guardar mágoa alguma de Leonardo. “Não há ressentimentos”, afirmou Ramos. “Leonardo sempre foi muito legal comigo. Depois do incidente, ele foi ao hospital naquela noite em 1994 e se desculpou. Nos tornamos, não diria grande amigos, mas nos tornamos bons colegas desde então. Para dizer a verdade, joguei novamente contra Leonardo um ano mais tarde, pela Copa América, em 1995. E nós trocamos camisas. Então, tenho a camisa dele.”
Nos anos 1990, os EUA não teriam grandes chances de passar da fase de grupos de uma Copa do Mundo cujos adversários sorteados fossem Alemanha, Portugal e Gana. Esse ano, porém, a seleção americana enxerga uma possibilidade: “Nós temos um jogo muito difícil para nós contra Gana na estréia. Mas, para nós, essa não é a estréia, é a final.”, analisou Ramos. “Nós temos uma final contra Gana e, se ganharmos, então teremos uma grande chance de avançar.”
Como diretor técnico das divisões de base da seleção dos Estados Unidos, Tab Ramos está supervisionando o desenvolvimento das próximas gerações de jogadores americanos. E prevê grandes possibilidades para a partir das Copas do Mundo de 2022 e 2026. “Está crescendo muito rapidamente. Nós temos muitos talentos nos times de base, especialmente nos mais jovens. Nossas seleções de 14, 15 e 17 anos são muito boas, cheias de talento. Penso que temos um grande futuro”, afirmou Ramos.
“A Copa de 1994 pôs o futebol no mapa desse país”, afirmou Tab Ramos, o primeiro jogador da história a assinar um contrato profissional com a Major League Soccer, em 1996. A criação de uma liga profissional nos EUA foi uma das exigências da FIFA para conceder ao país o direito de sediar a Copa de 1994. “No início, a MLS jogava em estádios de futebol americano e cresceu a ponto de hoje quase todos os times da MLS terem estádios próprios. A maioria dos jogos está lotada de gente e há muita emoção nos jogos. Daqui a dez anos, o futebol vai ser um dos esportes mais importantes desse país. 20 anos atrás, jamais imaginaríamos isso,” afirmou Tab Ramos.