Blog do Marcos Peres

O herói olímpico por trás do “amarelão” Shaun White

Marcos Peres

 

Nas últimas seis semanas, um mesmo atleta machucou o ombro direito e o tornozelo esquerdo em quedas duríssimas durante os esforços para conquistar a classificação para as Olimpíadas de Inverno de Sochi em duas modalidades radicais: o snowboard halfpipe e o snowboard slopestyle. Ambas consistem na execução de  manobras aéreas arriscadas na neve, em alta velocidade. Shaun White superou dores terríveis para assegurar um lugar no time dos Estados Unidos nos Jogos Olímpicos de 2014. E conseguiu. As duas vagas. Mostrou incrível capacidade de superação.

Shaun White cai durante seletivas americanas - foto: Doug Pensinger/Getty Images

Shaun White cai durante seletivas americanas – foto: Doug Pensinger/Getty Images

Porém, ao finalmente chegar na Rússia, além do ombro e do tornozelo, Shaun White machucou também o pulso esquerdo, em um treinamento na pista desenvolvida para a estréia do Slopestyle em Jogos Olímpicos. Concluiu que as condições da neve estavam arriscadas demais para quem teria um bicampeonato olímpico a defender dentro de três dias no halfpipe. Uma snowboarder da Finlândia havia acabado de cair e bater a cabeça. E um norueguês quebrou a clavícula. Então, White tomou a decisão mais difícil da vitoriosa carreira: Desistir da disputa do slopestyle, depois de mais de 11 anos à espera pelo dia em que essa modalidade – que ele domina há mais de 11 anos – debutaria nas Olimpíadas. White tinha um motivo claro: ''O potencial risco de contusão é um pouco demais pra mim'', ele explicou, deixando claro que precisava se concentrar na busca pelo tricampeonato olímpico no halfpipe. No exato momento em que essa notícia chegou aos Estados Unidos, White não foi apenas criticado, mas desrespeitado em todas as mídias sociais. Um erro. Vou explicar o porquê baseado em uma conversa que tive com ele há poucos meses, em Lake Tahoe, no estado da Califórnia, Estados Unidos.

Foto: Alberto Pizzoli/Getty Images

Foto: Alberto Pizzoli/Getty Images

Shaun White monitora periodicamente o funcionamento do próprio coração. Um defeito congênito o obrigou a passar, ainda bebê, por duas cirurgias cardíacas, antes de completar um ano de idade. Como chamar de ''amarelão'' alguém que arrisca a própria vida por opção própria, ou como ele próprio me disse, ''por amor ao esporte''?

A falta de neve natural na montanha do balneário de Sochi, na Rússia, obrigou os organizadores das Olimpíadas a fabricar neve para os Jogos. Segundo Jason Straton, especialista do estado do Arizona, ''a neve criada pelo homem tem teor mais úmido. E na região tropical onde localizada Sochi, há ainda mais umidade''. Segundo Straton, quando a temperatura cai, a alta umidade altera as condições da neve, que pode se tornar mais perigosa para a prática do esporte.

Quando encontrei Shaun White na Califórnia, ele se preparava para as Olimpíadas em uma montanha reservada só para ele. No Resort North Star, uma equipe levou semanas para desenvolver um percurso exclusivo de slopestyle e um halfpipe olímpico só para ele, a maior estrela da delegação de inverno dos Estados Unidos. Passamos uma manhã inteira esperando que o sol se livrasse das nuvens, aumentando a temperatura e criando condições de neve favoráveis. Nem um colchão de ar gigante, que havia sido instalado milimetricamente, para garantir a segurança das aterrissagens de White, era suficiente para que ele se arriscasse montanha abaixo. Motivo? Um erro pode ser fatal. Basta um escorregão. ''A maior diferença é a condição da neve, que pode estar grudenta ou rápida sem aviso'', me explicou o técnico de White, o  Bud Keene. ''Nós realmente precisamos ser capazes de julgar a velocidade dele com precisão durante manobras tão perigosas'', disse o experiente treinador.

Quando perguntei a White se ele não sentia medo de voar fazendo manobras a mais de dez metros do solo com todas essas variáveis, ele respondeu: ''Sinto. Apenas tento afastá-lo. Eu fico nervoso, com medo. Mas sempre, desde criança, aprendi a bloqueá-lo. Você se foca e tem que fazer um grande acordo com você mesmo'', contou White. Poucos meses depois, ele sofreu uma queda horrível no slopestyle da última seletiva olímpica dos EUA. Machucou o ombro direito. Mesmo sofrendo de fortes dores, levantou-se da maca e dirigiu-se novamente para o alto da montanha. E, de lá, fez um descida impecável, executando manobras de altíssimo grau de periculosidade, que exigiriam 110% da capacidade física de qualquer atleta. E uma incrível força mental. Ainda mais de um atleta machucado. White ganhou a competição e se classificou em primeiro lugar.

Há dois anos, no dia 12 de janeiro de 2012, mesmo com uma lesão no tornozelo esquerdo, Shaun White desceu o halfpipe dos Jogos Radicais de Inverno, em Aspen, nos Estados Unidos para conquistar a primeira “nota dez” da história, a nota cem! E isso faz lembrar o quão bravo ele foi quando decidiu se aventurar nas competições de skate, enfrentando a desconfiança de muitos, principalmente dos adversários e fãs do esporte. Isso inspirou White a se dedicar duas vezes mais. Como resultado, ele se tornou o primeiro atleta da história a conquistar os títulos dos Jogos Radicais de Inverno e Verão, em modalidades distintas.

Prefiro as mensagens de esperança que Shaun White recebeu de milhares de pessoas impressionadas com as conquistas daquele bebê que enfrentou duas cirurgias cardíacas para se tonar bicampeão olímpico às que o desrespeitaram por ter tomado uma decisão profissional e estratégica.